quinta-feira, 18 de julho de 2013

60...e agora???

Quando eu era pequena, na minha cidade – Avaré – no interior paulista, era costume na passagem de ano, a companhia elétrica apagar as luzes da cidade.
Todas as luzes!
Sim, a cidade ficava às escuras e era um momento MUITO esperado por todos.
Era véspera do dia primeiro do ano. As crianças excitadas com o que ia acontecer, os adultos esperando ao redor de uma mesa, sentados ou em pé, as taças de champanhe ou vinho (às vezes o licoroso mesmo) nas mãos esperando a meia noite para fazer o brinde... De repente, silêncio...
10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1....... ESCURIDÃO TOTAL!
Gritaria, abraços, cumprimentos. Tudo misturado á intensa alegria de todos. Era o novo ano que iniciava.
Por muito tempo eu pensei que do ano velho para o ano novo existia um hiato. Sim, um lapso de tempo em que o mundo parava, as pessoas ficavam sem respirar e daí... começava um novo ano – novinho em folha!
O novo ano, para mim, era sempre muito alegre, pelo menos era o que aparentava. Pessoas rindo, se abraçando, bebendo, comendo, enfim, COMEMORANDO.
Era uma época de compartilhar, de reencontrar pessoas, de rever fatos e histórias acontecidas, de colocar metas para a nova etapa da vida que iniciava. Não existia tristeza. As pessoas - aos meus olhos infantis – estavam radiantes, esperançosas, animadas.
Quando a luz voltava a aparecer, depois de desligada pela Companhia de Força e Luz, parecia que tudo de ruim havia sido deixado para trás.
Sim, um novo ano, uma nova vida, um novo começo. Um banho de luz e energia revigorante.

60 - e agora????  

Agora nada. Continua igual. Sem hiato, sem lapso de tempo. Apenas o início de mais um ano de vida. Com alegrias e tristezas próprias do cotidiano. Com encontros e reencontros. Com chegadas e partidas. Assim como no ano novo... O mundo não para!
A luz que acende é a de uma nova etapa com projetos, sim. Uma energia que invade o coração e inunda todo o ser.
Aos olhos da “menina” de 60 anos, o rito de passagem não é mais feito pelo apagar de todas as luzes da cidade, mas sim pelo reencontro de amigos queridos de tantos anos.
Sim, celebramos com bebida, comida, abraços, beijos e algumas lágrimas sorrateiras, talvez. A luz se acenderá nos nossos corações infantis.
Relembramos passagens nas quais fomos protagonistas. Rimos muito e várias fotos são tiradas, todas elas com pose para esconder as “imperfeições” que a vida nos coloca.

"Murcha a barriga"! Levanta o queixo"! Fica meio de lado"! 

A foto pode ficar melhor, porém nada é mais lindo e gratificante do que ter amigos e poder festejar com eles nosso aniversário de 60 anos!
Sinto agora a mesma emoção da infância do apagar das luzes, só que desta vez, a energia revigorante me traz serenidade para iniciar um novo ano, uma nova etapa.
Obrigada amigos por existirem. Obrigada por compartilharem comigo suas vidas. Obrigada por estarem comigo nesta “virada”.

Julho 2013



segunda-feira, 15 de julho de 2013

O bandolim de Dona Aidê: uma desculpa para relembrar...



Não, nunca a vi tocar, sequer a ouvi, mas sei que sabia tocar o instrumento. Sei que sabia por que ensinava minha amiga Lelê que ia ao sótão de sua casa para aprender – meio a contragosto! O bandolim era de Dona Aidê.

Fui algumas vezes com ela... talvez apenas uma. Lugar enorme que se chegava por uma escada estreita. Lá em cima, cadeiras e um suporte de partitura para que Lelê exercitasse. Eu só escutando aquele dedilhar...

Excitava-nos a imaginação uma casa tão grande, com porão e sótão! 

Dona Aidê era professora de música. Lecionava no ginásio da cidade. Uma mulher pequenina de altura, de corpo e de gestos. Falava baixo e não me lembro dela brava. Adorava suas aulas.

Sempre tive aulas de música com ela, desde o grupo escolar. Lá ensinava-nos a cantar em cânone[1]: após a primeira voz cantar as duas frases iniciais, a segunda voz começava o mesmo canto e, finalmente a terceira e última iniciava – finalmente todos juntos cantando aquelas vozes alternadas.

Era uma beleza!

Desperta no bosque
Gentil primavera
Com ela chegou o canto
Gorjeio do sabiá
Lá lá lá lá lá lá lá...

 Com lindos trinados
Suaves e belos
Gentis vão os passarinhos
Saudando a primavera
Lá lá lá lá lá...

Dona Aidê tinha uma gaitinha mínima que usava para dar o tom em que iríamos cantar. 

Fiiiiiiiiii... De novo fiiiiiiiii... Um, dois, três... Fazia com as mãos de maestro marcando o compasso e começávamos: Desperta no bosque...

Canto orfeônico fazia parte das disciplinas no grupo escolar e também no ginásio. Aprendíamos a solfejar, cantar e ler notas. Sabíamos qual era nossa voz - como eram classificadas - se contralto, soprano, etc. era assim que éramos destinados às vozes nas músicas. Das mais agudas às mais graves.

A classificação se dava com a professora ao piano – da escola – fazendo os acordes e nós, um a um, cantando as escalas: do, ré, mi, fá, sol, lá, si, dó... e ia repetindo mais e mais agudo até onde se conseguia cantar sem desafinar.

Determinadas as vozes, a sala era dividida em fileiras: a primeira voz, a segunda voz e a terceira voz. Depois era só aprender a melodia de cada uma.

Ah! Sim, o bandolim...

As aulas eram dadas no sótão da casa da dona Aidê, um magnífico sobrado na esquina da Rua Pernambuco com a Rua Piauí, em Avaré.  Entrávamos por uma área (terraço) com grades trabalhadas em ferro fundido, passávamos pela sala de jantar e, não sei como, chegávamos à escada. 

 Eu ficava fascinada pelos lindos móveis antigos, mas não podia ficar olhando, pois minha mãe dizia que era falta de educação. “Não se repara na casa dos outros, menina! Não é bonito!”



Nessa foto de 2009, não dá para se ver o sótão, fica na outra rua à direita da imagem, pois é um sobrado de esquina. Percebe-se o porão, onde o pai de dona Aidê tocava clarinete. O sobrado, nesta foto, já está com outra aparência, tinha sido reformado. 

A área ou terraço, não era fechada por vidros, antigamente. Onde se vê o portão de grade, bem à esquerda, tinha uma cerca baixa de alvenaria e grades de ferro que protegia o rio (sim ali passa um rio). A primeira janela – também de grade – era uma porta de garagem – a entrada do porão.

Era das outras três janelas, na sequência da foto, que se ouvia o som do clarinete dos Sr. Manuel Afonso. Tantas vezes parei na calçada para escutá-lo... um som claro, suave, tão agradável! 

Que bom seria se ainda hoje tivéssemos aulas de canto orfeônico nas escolas. A musicalidade faz falta. O compasso, o aprimoramento do escutar, o distinguir instrumentos, saber o que são “vozes” e qual é a de cada um, a complexidade de se cantar em conjunto e onde a individualidade completa o todo... 

Precisamos relembrar Villa Lobos que introduziu o canto orfeônico nas escolas e regia grandes multidões. Acho que foi ele quem incentivou Dona Aidê. 

Villa Lobos esteve em Avaré em 30 de agosto de 1931. Regeu um concerto no antigo Cine Theatro Santa Cruz. Acompanhado de sua primeira esposa e pianista Lucília, e dos pianistas João de Souza Lima, Guiomar Novaes e Antonieta Rudge Müller, além do violinista belga Maurice Raskin e das cantoras Anita Gonçalves e Nair Duarte Nunes. Compunham o que se chamou a Caravana da Arte Brasileira que percorreu 54 cidades do interior paulista que eram servidas pela Estrada de Ferro Sorocabana.

Foi inspirado nessa excursão que Villa Lobos teve a ideia de compor O Trenzinho do Caipira que integra as Bachianas Brasileiras nᵒ 2 na qual o som da locomotiva é imitado pelos instrumentos da orquestra[2].

Anísio Teixeira, grande educador brasileiro, naquela ocasião, integrou-se a uma comissão do Ministério da Educação e Saúde encarregada de estudar a reorganização do ensino secundário no país e, na condição de Secretário de Educação, convida Villa-Lobos a organizar e dirigir a Superintendência de Educação Musical e Artística - SEMA.

É por ocasião dessa empreitada que Villa Lobos pesquisa instrumentos e melodias folclóricas pelo interior do Estado de São Paulo e, animado, propõe à Vargas, seu apoiador que institua o ensino obrigatório de música e canto orfeônico nas escolas.

Vargas cria em 1932, o Curso de Pedagogia de Música e canto Orfeônico ministrado por Villa Lobos.

Não há dúvidas das influências que isso causou pelo interior afora e da mesma maneira que Villa Lobos conheceu nosso folclore paulista, os caipiras – habitantes do interior – conheceram ou reconheceram uma orquestra e seus vários instrumentos. 

Também é sabido que no interior havia Bandas Municipais que tocavam músicas populares, cujos músicos tocavam “de ouvido” ou sabiam ler partituras. Essas bandas apresentavam-se nos coretos dos jardins e praças... Mas isso é pra outra conversa.


[1] Chama-se cânone a forma polifônica, em que as vozes imitam a linha melódica cantada por uma primeira voz, entrando cada voz, uma após a outra, uma retomando o que a outra acabou de dizer, enquanto a primeira continua o seu caminho: é uma espécie de corrida em que a segunda jamais alcança a primeira.
[2] Informações tiradas de texto do historiador Gesiel Junior. Para saber mais ver: http://www.itaponews.com.br/v1/maiscidades/avare/2496-ha-80-anos-avare-sob-a-batuta-de-villa-lobos.html  Julho 2013.

terça-feira, 9 de julho de 2013

NOVE DE JULHO



NOVE DE JULHO! FERIDADO PAULISTA...

Nove de julho uma grande avenida paulistana e certamente nome de ruas e avenidas de várias cidades paulistas também.
Revolução Constitucionalista de 1932 - derrubar o governo getulista e fazer uma nova constituição – isso todos sabem.
Sim, feriado paulista – estradas lotadas, praias lotadas mesmo com friozinho e nas montanhas uma luta para se conseguir aquele chocolate quente...
Paulistas felizes e estressados em busca de um lugar (ao sol?) para descansar nesse feriado que, neste ano de 2013, nos brinda (!!!) com um feriadão, isto é...de sábado à terça-feira. País rico, sem problemas, sem a necessidade de muito trabalhar para progredir... Mas isso é outra história.
Quero falar das memórias de meu pai para essa época de 1932.
Ele era um menino de 10 anos. Brincava na rua de calças curtas (não era bermudas) pelas ruas, muitas sem calçamento, de sua cidade natal – Avaré.
Entre bolinhas de gude, peões, e bola de meia, pegar carona em carroça de leite era a diversão favorita. Claro que o carroceiro percebia as crianças sentando atrás da sua carroça – os varões presos aos cavalos levantavam bruscamente – mas quem ligava? Por acaso ele também não havia feito isso quando criança?
Risadas, gritaria, correria, nem sabiam que estavam em meio a uma revolução!
Meu pai morava perto de um grupo escolar escolhido para ser o quartel na cidade e várias vezes ia até lá junto com os amigos para ver os soldados fazerem as evoluções. Tudo parecia ser uma brincadeira. Não sabiam que estavam em treinamento.
Um dia veio a notícia – “Fomos vencidos!" São Paulo perdeu a luta e os soldados saíram da cidade às pressas não conseguindo levar todos os seus pertences.
Aí foi a festa da criançada... Chocolates e bolachas foram deixados pra trás assim como capacetes e até baionetas, essas enterradas nos quintais de terra.
Essa é a lembrança dessa revolução para uma criança. Chocolates e bolachas que não poderiam ter aparecendo como por milagre... Desenterrou muito tempo depois – talvez 10 anos depois, uma baioneta no quintal de sua casa que guarda até hoje juntamente com um capacete – relíquias de uma luta onde paulistas já “iam para as ruas” por um Brasil melhor.



terça-feira, 2 de julho de 2013

TORNAR-SE ESCRITORA



O texto que coloco a seguir faz parte do meu segundo livro Arari´wa: escola na mata[1] que teve como base minha dissertação de mestrado.


O livro conta a história da Reserva Indígena de Araribá no oeste paulista e a “luta” dos indígenas que lá residem para manter sua cultura. A questão escolar é também discutida no livro assim como a legislação nacional sobre o tema.

        

Caminhos da Pesquisa

 

              O exótico deixou de ser distante e o distante torna-se cada vez mais    familiar.   [...] longe de serem obstáculos perturbadores, o multiculturalismo e a plurietnicidade são verdadeiros pilares de uma integração social democrática (Delors, 2003, p. 246 e 249).


Da minha experiência como professora de Artes e Cultura surgiu o interesse de pesquisar a arte e a cultura indígena, particularmente dos índios do Estado de São Paulo. Esse interesse cresceu na medida em que tomei conhecimento da grande diversidade de culturas e povos existentes nesse Estado e do desconhecimento sobre eles por parte da sociedade.
Passei, então, a procurar informações sobre esses povos, suas tradições, línguas, costumes aproveitando também meus conhecimentos em cultura popular e semiótica, buscando apreender mais profundamente essas culturas.
O levantamento das questões legais sobre a temática indígena no Brasil e de como a escolarização se desenvolveu ao longo desses 500 anos de vida nacional foram os próximos passos. Completei as pesquisas com enfoque no Estado de São Paulo onde, além da legislação, busquei a localização dos povos indígenas, as etnias aqui existentes, sua cultura, costumes e línguas. Contextualizando e aperfeiçoando o direcionamento do trabalho cheguei à Reserva Indígena de Araribá, configurando como foco da pesquisa a educação escolar indígena no Estado de São Paulo com estudo de caso na Reserva de Araribá.
Estudar a Reserva foi um processo muito prazeroso, pois, além de conhecer sua história, levantei também a história cultural dos povos que ali habitam e de sua trajetória até se fixarem neste local. Entrelacei a história da construção da ferrovia Noroeste do Brasil com o aldeamento dos Guarani - por Curt (Nimuendaju) Unkel - primeiros habitantes de Araribá no início do século XX, levantei a questão da Lenda da Terra sem Males para melhor entender os costumes desse povo, compreendi a permanência dos Terena e sua função de “professores” de agricultura para os Guarani, levantei o decreto de homologação da Reserva e reconstruí seu mapa, com o auxílio de um geógrafo e, assim, fui construindo a história da Reserva Indígena de Araribá e de seus habitantes.



[1] O livro se encontra à venda na Livraria Cultura ou pelo email: leila@leilagrassi.com.br