segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

QUARESMA - RECOMENDAÇÃO DE ALMAS



CICLO DA QUARESMA

 

 


Conhecida na Europa como o Ciclo da Páscoa, compreende a Quaresma, época de penitência, que são os 40 dias que vão da Quarta-feira de Cinzas até o Domingo de Páscoa e também a Semana Santa.
Há aí costumes medievais como, por exemplo, o Grupo de Recomendas (ou recomendação) de Almas, já citado no texto anterior. Consequência de antigas sugestões dos Evangelhos há a pratica de silêncio de quinta-feira ao sábado santo, jejum de alimentos, abstinência, representações dramáticas da Paixão de Cristo e a malhação de Judas, recodificação cristã romana do rito do fogo morto.

Às sextas-feiras, ao toque da meia noite, quando as cidades e povoados estavam ermos, quando os Lobisomens, as Caiporas, e as Mulas-sem-Cabeça corriam o fado, soavam nos ares o troar da matraca e o badalar da campa sinistra, que anunciavam o préstito em movimento.  
De repente, ao afinar derradeiro dos instrumentos, apercebia-se ao longe – à porta das igrejas, ou lugar convencionado para a reunião – vultos amortalhados de branco, com a cabeça coberta, deixando apenas ver a boca e os olhos, esclarecidos por pequenas lanternas de papel ou de folha-de-flandres, com a luz voltada para o rosto.
A um momento dado, findos os preparos, os encomendadores das almas desciam lentos de sua soturna estância e, rompendo a marcha, a campainha vibrava metálica, a matraca batia, a procissão desfilava tétrica, pavorosa e de fazer arrepiar os cabelos.
Constava a tradição que só homens podiam tomar parte nessas romarias em favor dos condenados de além-túmulo, sendo proibido, sob pena de morrerem assombradas às mulheres e crianças afrontar o preceito lendário.
E a serenata da morte, escoltada de superstições e de duendes, começava os seus noturnos, as suas capelas cantadas, prolongando-se até mais de uma hora, fazendo estações aqui e ali, difundindo o pavor em seu trânsito incerto e cheio de assombro.

Assim Mello Moraes Filho descreve a procissão da recomenda. Ainda hoje, em cidades mineiras encontra-se a Procissão do Fogaréu, como é chamada por lá e, em Sevilha – Espanha – essa mesma procissão é realizada por cavaleiros puxando correntes para aumentar o barulho das matracas.
Superstições aliadas à religião ajudam a construir a cultura de muitos países, entre eles Portugal e Espanha, aqueles que trouxeram para o Brasil esses costumes tradicionais.


O quadro acima é de J R Santos, o Zizi, artista mineiro.


sábado, 16 de fevereiro de 2013

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS – Quaresma


Em tempos de Quaresma - na década de 1960 - em pequenas cidades do interior de São Paulo, como aquela em que nasci não era permitido ouvir música que não fosse sacra. A rádio local tocava hinos e nas casas, a vitrola ou “sonata” ficava muda.
“Não canta menina” ouvia minha mãe dizer, “se não nasce rabo em você”! Diz ela que essa superstição foi trazida para casa pela Albertina, a moça que trabalhava conosco.
Nós tínhamos muito medo de ganhar rabo, mas ao mesmo tempo não acreditávamos muito naquilo, não. Até que um dia, quando estava indo para a escola vi um rabo de boi perdido na rua. QUE PAVOR!!!!! Logo pensei, é de alguém...alguém perdeu o rabo...não quero ter um rabo nunca!!!!! A partir desse dia, não cantava nem em pensamento!
Superstições fazem parte da cultura popular em qualquer tempo e servem para educar também. No caso que citei, era uma maneira, talvez a única, de fazer com que as crianças não mais cantassem as músicas de carnaval e respeitassem o período de recolhimento, orações e penitências desses 40 dias anteriores à Páscoa.
Quaresma é tempo de recomenda, recomendação ou encomenda de almas. Grupos de homens encapuzados e amortalhados, saem - ou saíam -pelas ruas à noite cantando, rezando e com instrumentos exorcistas, como a matraca e o berra-boi, pedindo aos mortos que nos deixem em paz.
Existe a crença de que as almas daqueles que não morreram de morte natural (ou morte morrida como ouvi de um informante), são as que atormentam os vivos e, portanto, são carentes de orações e recomendas.
Enquanto passa o grupo de recomendadores, é melhor que não se abram as janelas e nem olhem para trás para não enxergar as almas que vagam no espaço.
Crenças desse Brasil plural!

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS: CARNAVAL




Não participei do entrudo com guerras de laranjinhas de cera cheias de perfume, mas na década de 1960, o corso passava em frente ao hotel de um tio meu – Oásis Hotel - onde, é claro, havia uma geladeira enorme que “fabricava” muita água gelada... ficávamos na janela do hotel atirando bexigas cheias de água gelada nos foliões!
A banda “Sete fôlegos” tocava na rua e saía só no carnaval, era composta por Luizinho Chandico, Merched Ignatios, Ananias Machado, Bonuglio, Alvaro Filgueiras. Na lembrança de meu pai, “eram esses moços que saíam na chuva e no sol”. Tinha também o Ramona que saía de guarda-chuva aberto escrito: a chuva passou – era a sua fantasia e o Pereirinha que saía de cadeira amarrada nas costas – dançava, pulava e quando cansava sentava na própria fantasia.
Eu fazia “sangue de diabo” para jogar nas pessoas e até vendia na garagem de casa. Era um tipo de líquido vermelho feito com “lacto purga” e outros ingredientes que não lembro mais e ficava vermelho na roupa quando era jogado, mas que ia evaporando lentamente até sumir.
É claro que provocava muita confusão...tínhamos aquelas bisnagas de apertar e, esperávamos as pessoas passarem na calçada para praticar a “gracinha”. Era um tempo em que praticamente todos da cidade jogavam água uns nos outros – água e não líquido vermelho!
Os bailes do clube eram domingo e terça-feira à tarde. Fazíamos fantasias únicas ou em grupos – os blocos – comprávamos confetes e serpentinas na Casa Maravilha e lá íamos nós...
ei, você aí, me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí....
O chão do clube ficava forrado de confetes e serpentinas que recolhíamos para novamente atirar. A bandinha tocava e o Nenê Cunha cantava sem parar.
Fiquei um tempo sem participar do carnaval, voltei na década de 1980 quando fundamos junto à Fundação Cultural Cassiano Ricardo o grupo Pirô Piraquara, com o objetivo de resgatar os carnavais de rua onde os bonecões saem na frente abrindo a folia e atrás vêm todos os que gostam de dançar.
Fantasias eram confeccionadas com temas divertidos, com críticas políticas, levávamos placas com dizeres, e participavam pessoas de todas as idades. Lembro-me de um jovem pai que, vendo o grupo passar na rua, desceu de seu apartamento enrolado no cortinado do berço de seu filho – era o “pai fresco”.
Carnaval, festa colocada no calendário cristão que antecede a Quaresma, tempo de fartura anunciando o jejum.
FELIZ CARNAVAL A TODOS!




quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS - brincadeiras





Houve um tempo em que crianças na rua era sinônimo de alegria, divertimento, brincadeiras. Meninos e meninas em correria, gritando, rindo, num verdadeiro estado de êxtase infantil.
 Pois é, sou desse tempo em que correr na rua não era perigoso, ficar na rua não era proibido, estar na rua era estar em harmonia com amigos e família.
Brincava de pular corda, amarelinha, queimada, de diversas maneiras e com várias regras.
Na corda, podia pular sozinha, batendo e pulando ou com uma amiga na mesma corda. Quando a corda era grande, sempre tinham aquelas que “batiam” e aquelas que pulavam. A maneira mais simples era a que contava: 1, 2, 3 e entrava na corda pulando. Só saía quando errava, pisava na corda ou enrolava-a nos pés.
“Sal, pimenta, fogo, foguinho” – era outra maneira - a corda começava lenta e ia ficando cada vez mais rápida...era preciso muita agilidade para não cair. Sucesso total pra quem ficava em pé!
 “Passa um” – a corda batendo, a gente passava correndo sem pular e gritava Zerinho; na sequencia pulava uma vez e gritava passa um, depois pulava duas vezes e gritava passa dois, e três, assim por diante...
Depois de passar essa primeira etapa, segue-se com Um Homem Bateu em Minha Porta. Essa “música”, cantada por todos os participantes, segue enquanto uma criança pula e faz como diz a letra.
·         Um homem bateu na minha porta e eu abri – entrar na corda e   começar a pular.
  • Senhoras e senhores dê uma rodadinha – dar um giro pulando a corda.
  • Senhoras e senhores coloque a mão no chão – agachar e colocar a mão no chão sem deixar de pular.
  • Senhoras e senhores pule num pé só – pular num só pé.
  • E vá para o olho da rua – sair sem deixar “rabo” (não deixar a corda relar no corpo ou na roupa quando sair.
Ganha quem conseguir fazer toda a sequência sem errar primeiro. Erros de português eram comuns nas brincadeiras todas. Ninguém se importava. O que queríamos era brincar!
E assim fui menina de rua! Brinquei muito. Tive uma infância maravilhosa numa pequena cidade do interior.