quarta-feira, 29 de maio de 2013

Minha cidade de origem


 

      Avaré, cidade localizada a duzentos e sessenta quilômetros da capital, no oeste do estado, já foi chamada de Cidade Jardim devido a suas inúmeras e bem cuidadas praças, lagos e ruas arborizadas e Capital do Ouro Branco por conta da produção de algodão. Hoje é conhecida como Capital do cavalo e Terra do Verde, da Água e do Sol, pois tem vários e importantes haras, muita área verde no município e a Represa Jurumirim, ponto de lazer e turismo da região.
       Teve seu início atestado como sendo no dia 15 de setembro de 1861, quando, posseiros, abrindo o mato em direção ao Paraguai pelo caminho que ficou conhecido como Estrada do Peabiru, ou Caminho do Yguatemi, conquistaram a terra exterminando os índígenas Kaiguá[2] e Guarani que ali habitavam atraindo moradores para aquelas terras férteis garantida pela irrigação do Vale do Paranapanema.
        Dentre esses posseiros estava o Major Vitoriano de Souza Rocha que doou vinte e quatro hectares de terra para que se construísse uma capela para Nossa Senhora das Dores. Denominada de Patrimônio de Nossa Senhora das Dores do Rio Novo, o povoado surgiu à luz da fé cristã, ao redor dessa capela votiva construída de pau a pique e coberta de telha vã (telhado sem forro).
        Datas e nomes têm suas origens polêmicas nos livros que tratam da história da cidade, assim colocarei aqui o que se encontrou nas pesquisas bibliográficas realizadas para tal: “o arraial era designado pelo nome de Cappela do Major. Foi elevado a freguesia pela lei 7 de abril de 1860 e a município com a lei de 7 de julho de 1876” (Capri, 1913, p. 108/109).
    Segundo historiadores, na segunda metade do século 19, diversos fatores contribuíram para o desenvolvimento de Avaré. Um deles foi a Lei de Terras, de 1850, pela qual o governo imperial suspendia as doações de terras dadas pelos governadores-gerais. Desse modo, as terras tinham que ser compradas e vendidas, abrindo oportunidades para a dinamização da economia.
     Também, com a abolição da escravatura, em 1888 e o incentivo à imigração, Avaré ganha novas dimensões econômicas e sociais. Chegam à cidade centenas de famílias italianas, com trabalhadores que vão substituir a mão-de-obra negra nas lavouras de cana-de-açúcar, algodão e café. A chegada de imigrantes portugueses, espanhóis, armênios, sírio-libaneses e, por último, japoneses, consolidou o crescimento da cidade.
       Em anotações feitas por Jango Pires há o registro que em 1891, fixou residência em Avaré o primeiro sírio (turco como eram chamados), o Sr. José Ignatios, que era tio de meu avô, Mansur João Ignatios.
     Finalizando essa explicação histórica foi, então, no final do século XIX que meus avós libaneses chegaram à cidade. Meu avô chegou primeiro com seus pais e irmãos e depois veio minha avó, que estava em Buenos Aires, Argentina. Instalaram-se como comerciantes, fundaram cerraria, sapataria, alfaiataria, mas isso ficará para outra hora.
       A cidade passou por ciclos evolutivos salientando-se o do algodão nas décadas de 1930 e 1940 e na década de 1960 foi introduzido o gado quando grandes haras foram sendo construídos.
     Com o represamento do rio Paranapanema houve o alagamento de terras e, consequentemente, o aparecimento de diversas praias de areia branca, o que deu início e impulso à especulação turístico-imobiliária. No ano de 1962 foi inaugurada a ponte sobre o Rio Paranapanema.
       Atualmente, a economia avareense gira em torno da pecuária, lavoura, comércio e pequenas indústrias e do turismo – foi transformada em Estância Turística em 2002. Avaré tem, hoje, inúmeros hotéis na beira da represa, camping, condomínios de belas casas e um magnífico por do sol!


 



[2] Kurt Unkel, mais conhecido como Nimuendaju, seu nome guarani, dedicou sua vida ao conhecimento e proteção dos povos indígenas. É dele o Mapa Etno-histórico do Brasil e Regiões Adjacentes de onde se tirou o nome da tribo existente naquele local. Em livros sobre Avaré, registram-se as etnias indígenas como sendo Caiuás (talvez uma variação de Kaiguá) e Botocudos esses, últimos habitantes das Minas Gerais, Espírito Santo e Santa Catarina.

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS - Corpus Christi



             

           
           A preparação para a procissão de Corpus Christi demandava muito tempo e vários preparativos. Era a década de 1960, em Avaré – minha cidade de nascimento – e todos se mobilizavam para a decoração das ruas. Nas escolas, os professores de desenho se empenhavam em criar imagens que retratassem a ocasião com ícones religiosos como o cálice, a hóstia, Maria, Jesus, o Divino - representado pela pombinha, e assim por diante.
            Previamente se sabia o roteiro da procissão e nas ruas em que ela passaria não deveria haver carros estacionados ou qualquer outro obstáculo que atrapalhasse o processo todo. Vou contar sobre o processo todo!
            Nos meses que antecediam a data, todos (ou quase todos) na cidade recolhiam e guardavam tampas de garrafa, maços de cigarro vazios e pó de café (usado). Nas escolas, turmas de alunos eram selecionadas para os diversos trabalhos e planos de execução eram montados: grupo 1 seria responsável pelas tampinhas; grupo 2 pelos maços de cigarros e assim por diante de modo que vários grupos realizavam várias tarefas ao mesmo tempo.
            Aqueles responsáveis pelas tampinhas deveriam desamassá-las e embrulhá-las com o papel alumínio que o grupo responsável pelos maços de cigarro retirava deles – portanto era um trabalho de integração. Tampinhas prateadas, azuis, amarelas e vermelhas iam surgindo e sendo estocadas. O pó de café era colocado ao sol para secagem e também estocado.
            O grupo que, pra mim, era o mais divertido era o que ralava as ramas de mandioca, por dois motivos: era o de pessoas mais velhas e o de maior responsabilidade, devido ao perigo da situação. Esse grupo ia até as fazendas onde havia plantação de mandioca, pegava as ramas já colhidas, lavava, descascava e ralava produzindo o material branco tão necessário às asas dos anjos, e ao Divino, por exemplo.Também esse material era estocado à espera da hora certa para ser levado à cidade.
            Não me lembro de quanto tempo isso tudo demandava nem de quem eram as fazendas, mas eram meses de preparação e muita dedicação dos proprietários que nos ajudavam.
            Na véspera da procissão, todo o material já estava devidamente separado nas escolas. Na madrugada do dia de Corpus Christi, lá pelas três ou quatro horas da manhã, os professores saiam pelas ruas riscando no chão o desenho mais difícil, normalmente os das esquinas. Nós, os alunos, chegávamos lá pelas cinco horas da manhã para iniciar os trabalhos e riscar os desenhos repetidos, em módulos iguais fazendo os tapetes ao longo das ruas.
            O frio era intenso. A neblina turvava os olhos. A alegria também era intensa... Assim, em meio ao frio, à neblina e à algazarra geral eram produzidos os tapetes onde passaria o Corpo de Cristo.
            Os pais traziam lanches no meio da manhã e as pessoas costumavam passear nas calçadas para ver os enfeites. A festa era total.
            “Olha o cachorro”!!!!! “Não deixa que ele estrague o desenho”!!!!! Segura daqui espanta dali.... E continuávamos na lida. Que delícia! Vez em quando os professores passavam para conferir e colocar ordem na folia... Éramos jovens e barulhentos...
            À tarde era nossa vez de conferir os desenhos de todos. Passeávamos ao largo dos tapetes para ver quem fez o desenho mais bonito. Lá pelas cinco da tarde a procissão passava.
            O cortejo em cima do tapete, o povo ao redor e as crianças atrás recolhendo tampinhas coloridas para brincar.
            Recordações de um tempo muito feliz, construtivo e de harmonia. Professores, alunos, sociedade, religiosos, todos juntos para a comemoração.

            O Corpo de Cristo – simbologia, religiosidade e fé.


quinta-feira, 16 de maio de 2013

REMEMORANDO - o centro da capital paulsita



    Andar pelas ruas do centro – 25 de Março; Ladeira Porto Geral; Direita; Avenida São João, etc. etc. etc. é voltar no tempo.

    Os sobrados, alguns pintados de cores que contrastam as paredes com os ornamentos, as sacadas de ferro batido, as colunas todas enfeitadas com arabescos, as portas de madeira entalhadas, tudo isso nos remete a uma época de vida mais calma, quando as horas passavam calmamente e as pessoas tinham mais tempo para criar, fazer e apreciar o belo.


    Ainda hoje podemos ver as árvores frutíferas no centro paulistano, como na Rua Florêncio de Abreu onde existe um grande sobrado abandonado, cujo quintal está sendo utilizado como estacionamento, e tem jabuticabeiras na sua entrada! E os detalhes em cada janela, em cada porta...


    Passear no centro de São Paulo com olhos de ver nos proporciona muitas alegrias e nos faz refletir sobre temas como conservação do patrimônio cultural brasileiro, seja ele material ou imaterial, tão rico e plural.

    Nos faz pensar sobre a importância de se ter nas escolas uma disciplina que ensine as crianças a entender, através de uma foto, por exemplo, a história contida nela. Retirar da imagem a história, a cultura, a vivência cotidiana, os costumes reconstruindo a antropologia cultural de um povo.

   Ao começar a escrever sobre esse tema – o centro da capital, os textos criaram alma própria e me levaram a outros caminhos, como o antes de São Paulo, a viagem até esse destino, seus preparativos, a chegada à capital e tudo mais. Também me fez ver que falar um pouco sobre Avaré – cidade de origem das viagens - seria importante para situar as duas realidades tão diversas: Avaré e São Paulo, na mesma época, a década de 60/70.

            Épocas históricas iguais para tempos diferentes. 

    Enquanto Avaré tinha, em 1970, aos cento e nove anos uma população de cerca de 38.000 habitantes, São Paulo já contava com 5.924.615 de habitantes. 

   Casas térreas no interior e altos edifícios na capital; carros, bondes e ônibus na capital, enquanto no interior fazia-se tudo à pé, de bicicleta ou de charrete de aluguel; elevador e escada rolante absolutas novidades. 

    As ruas no interior serviam de espaço para inúmeras brincadeiras – pular corda, amarelinha, bolinha de gude, bola, etc. As famílias sentavam-se à porta das casas para conversarem enquanto as crianças brincavam sob seus olhares atentos. Ali se trocavam receitas, se sabia a respeito das pessoas, se convivia.
Na capital (no centro pelo menos) nas ruas não se via crianças brincando e nem senhoras sentadas em cadeiras na calçada tricotando e trocando saberes.

Quanta diferença!

Costumes que assustaram e encantaram a criança viajante!

quinta-feira, 2 de maio de 2013

DIALOGANDO COM HERÓDOTO[1]



APRESENTAÇÃO


Nasci numa pequena cidade do interior a oeste do estado de São Paulo, Avaré, e passava uma vez por ano pela capital ao longo da minha infância, em direção à cidade de Santos no litoral do estado para as merecidas férias familiares. Naquela época as praias de Santos tinham areias branquinhas que faziam barulho nos pés quando andávamos sobre elas. Era muito divertido brincar de fazer as areias “cantarem” sob nossos pés!
Na passagem pela capital aproveitávamos para passear pela cidade grande e nos surpreender com as constantes novidades que ela nos proporcionava. Do elevador às escadas rolantes; dos bondes à pizza da padaria, tudo era novo pra nós, e que delícia descobrir essas maravilhas!
Quantas lembranças e nenhuma fotografia! Era muito caro ficar tirando fotos toda hora, porém a memória se mantém fresca e as imagens aparecem como num filme que passa lentamente na nossa frente.
A ideia de escrever estes textos que agora disponibilizo neste blog surgiu quando estava lendo o livro de Heródoto Barbeiro[2] que fala da sua relação com o centro velho da cidade de São Paulo. Fui relembrando a minha vivência com esse mesmo local e fui inundada de um misto de prazer, saudade e alegria.
Neste diálogo com Heródoto trago minhas memórias de um centro atualmente tão descuidado, mas que mantém, através de um olhar carinhoso, a majestade de seus tempos de glória.
Ao mesmo tempo, no diálogo com outro Heródoto, aquele historiador da antiguidade, trago informações históricas e impressões pessoais de espaços e tempos que existem não só na minha memória, mas que na realidade se conformam como verdadeiro arquivo historiográfico de lugares e tempos delimitados.
Essas memórias podem, também, serem entendidas como um álbum de família onde fatos, fotos e relatos se entrelaçam recriando nossa história familiar. Procurar fotos, conversar com meus pais e irmão, me fez criar o álbum da família daqueles momentos vividos na infância, construído agora, da idade adulta para trás.



1 – Heródoto foi um importante historiador da antiguidade. Conhecido como “pai da história”, nasceu na cidade de Helicarmasso, atual Bodrum, na Turquia por volta do ano de 485 a.C. e morreu em 430 a.C.

[2] Heródoto Barbeiro, paulistano, é mestre em História pela USP e também formado em Direito e Jornalismo.