A preparação para a procissão de
Corpus Christi demandava muito tempo e vários preparativos. Era a década de 1960, em Avaré – minha cidade de nascimento – e todos se
mobilizavam para a decoração das ruas. Nas escolas, os professores de desenho se
empenhavam em criar imagens que retratassem a ocasião com ícones religiosos
como o cálice, a hóstia, Maria, Jesus, o Divino - representado pela pombinha, e
assim por diante.
Previamente se sabia o roteiro da
procissão e nas ruas em que ela passaria não deveria haver carros estacionados
ou qualquer outro obstáculo que atrapalhasse o processo todo. Vou contar sobre
o processo
todo!
Nos meses que antecediam a data,
todos (ou quase todos) na cidade recolhiam e guardavam tampas de garrafa, maços
de cigarro vazios e pó de café (usado). Nas escolas, turmas de alunos eram selecionadas
para os diversos trabalhos e planos de execução eram montados: grupo 1 seria
responsável pelas tampinhas; grupo 2 pelos maços de cigarros e assim por diante
de modo que vários grupos realizavam várias tarefas ao mesmo tempo.
Aqueles responsáveis pelas tampinhas
deveriam desamassá-las e embrulhá-las com o papel alumínio que o grupo responsável
pelos maços de cigarro retirava deles – portanto era um trabalho de integração.
Tampinhas prateadas, azuis, amarelas e vermelhas iam surgindo e sendo estocadas.
O pó de café era colocado ao sol para secagem e também estocado.
O grupo que, pra mim, era o mais
divertido era o que ralava as ramas de mandioca, por dois motivos: era o de
pessoas mais velhas e o de maior responsabilidade, devido ao perigo da situação.
Esse grupo ia até as fazendas onde havia plantação de mandioca, pegava as ramas
já colhidas, lavava, descascava e ralava produzindo o material branco tão
necessário às asas dos anjos, e ao Divino, por exemplo.Também esse material era
estocado à espera da hora certa para ser levado à cidade.
Não me lembro de quanto tempo isso
tudo demandava nem de quem eram as fazendas, mas eram meses de preparação e
muita dedicação dos proprietários que nos ajudavam.
Na véspera da procissão, todo o
material já estava devidamente separado nas escolas. Na madrugada do dia de
Corpus Christi, lá pelas três ou quatro horas da manhã, os professores saiam
pelas ruas riscando no chão o desenho mais difícil, normalmente os das esquinas.
Nós, os alunos, chegávamos lá pelas cinco horas da manhã para iniciar os trabalhos
e riscar os desenhos repetidos, em módulos iguais fazendo os tapetes ao longo
das ruas.
O frio era intenso. A neblina turvava
os olhos. A alegria também era intensa... Assim, em meio ao frio, à neblina e à
algazarra geral eram produzidos os tapetes onde passaria o Corpo de Cristo.
Os pais traziam lanches no meio da
manhã e as pessoas costumavam passear nas calçadas para ver os enfeites. A festa
era total.
“Olha o cachorro”!!!!! “Não deixa
que ele estrague o desenho”!!!!! Segura daqui espanta dali.... E continuávamos
na lida. Que delícia! Vez em quando os professores passavam para conferir e
colocar ordem na folia... Éramos jovens e barulhentos...
À tarde era nossa vez de conferir os
desenhos de todos. Passeávamos ao largo dos tapetes para ver quem fez o desenho
mais bonito. Lá pelas cinco da tarde a procissão passava.
O cortejo em cima do tapete, o povo
ao redor e as crianças atrás recolhendo tampinhas coloridas para brincar.
Recordações de um tempo muito feliz,
construtivo e de harmonia. Professores, alunos, sociedade, religiosos, todos
juntos para a comemoração.
O Corpo de Cristo – simbologia, religiosidade e fé.
Leila, obrigada pela bela lembrança.
ResponderExcluirTambém vivi esta experiência de muitas formas.
Quando criança,na preparação onde a família participava:
- meu avós maternos, Ana e Otacílio Duarte (donos de um armazém defronte a Delegacia, na hoje Av. Paulo A Novaes), guardavam tampinhas de garrafa e o papel alumínio do maço de cigarros para cobrir as tampínhas; para ajudar, cobríamos as tampinhas;
- minha mãe guardava o pó de café;
- minha avó paterna, Basica Bruno, que morava na rua Mato Grosso, dava flores "bico de papagaio" para ajudar a enfeitar.
Na adolescência, como parte do grupo de jovens da Paróquia Nossa Senhora das Dores, levantava de madrugada para ajudar a enfeitar.
É isso mesmo Denise. Além desses materiais ainda tingíamos pó de serra. Era muito bom. Essa atividade reunia pessoas de várias idades e de diferentes credos. Obrigada pelas suas lembranças.
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