segunda-feira, 25 de março de 2013

Memórias e histórias: Procissão do Senhor Morto



Algumas imagens permanecem nas minhas lembranças. Na pequena cidade do interior paulista onde nasci e fui criada –Avaré - algumas tradições eram preservadas e os costumes religiosos, difundidos pelo Padre Celso, eram rigorosamente mantidos.
A Quaresma era época era de tristeza... Não se assobiava, nem cantava. Levávamos muita bronca se desobedecíamos a essa determinação. Nas igrejas, todos os santos estavam cobertos com panos roxos (adoro essa cor, mas quando era criança nunca pude usar por ser cor de semana santa), flores não havia nos altares e o silencio era comum. As velas estavam apagadas e luzes, se havia, eram muito suaves. O que se percebia era uma penumbra melancólica.
Uma forte lembrança é a da Procissão do Enterro ou também chamada de procissão do Senhor Morto... Quanta tristeza...
As pessoas passando quietas nas calçadas, e o cortejo na rua. O bumbo batendo naquela toada única BUM...BUM...BUM... e a banda tocando a marcha fúnebre. Era noite, na cidade os postes da rua emitiam uma leve luz amarelada. De quando em quando a procissão parava e a Verônica entoava sua canção... Que voz!
NOSSA COMO ERA EMOCIONANTE! Verônica cantando e desenrolando o véu com a imagem de Jesus nele gravada marcou profundamente minha infância. Era um canto triste entoado numa voz claríssima – nunca entendi nenhuma palavra do que ela dizia – mas não havia quem não se emocionava.
Sempre quis saber quem era a Verônica...
Quando passava o caixão com Jesus morto, as pessoas ajoelhavam e não olhavam para ele. A comoção era total. A imagem de Jesus, que fica na Igreja Matriz de Avaré é muito bem feita, a feição trabalhada e com cabelos humanos, o que confere uma veracidade à estátua de arrepiar.
Comparecer à procissão era um ritual praticado anualmente. Com lágrimas escorrendo pelo rosto ouvíamos o canto e o bater do bumbo.
Triste, emocionante e inesquecível!

quarta-feira, 13 de março de 2013

Semana Santa



Foto da Verônica na procissão do Enterro em Atibaia, 1961.


No assim denominado Ciclo da Quaresma pelos estudiosos da cultura popular, algumas tradições, crendices e superstições ainda são encontradas pelo Brasil afora. Em alguns lugares mais que outros, com aspectos diferentes, personagens diferentes, porém a raiz cultural permanece.
Assim, na Semana Santa, como na Quaresma toda, acontecem, a cada dia dessa semana, ritos diferenciados, uns derivados de textos do Evangelho outros de costumes populares europeus sendo que o que os une é o período sagrado.
Foi no século VIII que se estabeleceu, em Roma, a proibição de tocar sinos nesse período” (de 5ª a sábado) [...] ao ser divulgada essa interdição na França, “acrescentou que os cristãos deveriam se contentar em bater pedaços de madeira, recordando o que faziam os fiéis refugiados nas catacumbas, por falta de sinos. Em consequência, surgiram vários tipos de matracas” como relata Rossini Tavares de Lima.
Enquanto lecionava cultura popular, fui registrando vários costumes que meus alunos relatavam. Colocarei aqui alguns reincidentes – ou seja – aqueles que mais apareceram em referência a cada dia da Semana. Lembrando que são costumes, tradições que as pessoas mantêm.
A Semana Santa se inicia com o Domingo de Ramos: vai-se às missas levando palmas para serem benzidas – é a celebração da entrada de Jesus em Jerusalém, quando seus discípulos e os peregrinos que os esperavam estendiam seus mantos e túnicas para que Jesus passasse por cima. Aqueles que não tinham mantos arrancavam ramos de palmeira, estendiam na passagem formando um verdadeiro tapete. Essas palmas são utilizadas para muitas coisas, especialmente quando há tempestades e trovoada. “Usam para benzer doentes e para defumar a casa; afastam as tentações e os temporais”.
 Na segunda–feira e na terça-feira faz-se a Via Sacra visitam-se sete igrejas (se não tiver sete igrejas entra e sai sete vezes de uma só) ou fazem-se os 14 passos de Jesus “para ganhar o céu, para não ficar muito tempo no Purgatório”.
Na quarta-feira assiste-se o ofício das Trevas: o dia em que Jesus foi vendido por 30 dinheiros ou o dia em que os apóstolos fugiram deixando Jesus sozinho;
Na quinta-feira é o Lava-pés – o dia da malvadeza, pessoas invadem currais (nas fazendas) e soltam o gado, na cidade, rapazes mudam as coisas de lugar: vasos de flor, latas de lixo, etc. “Porque Nosso Senhor estava doente, a casa não se varria, os escravos não trabalhavam, os meninos não faziam bulha. Não se cantava, não se dançava, não se tocava. [...] falava-se baixinho, jejuava-se, rezava-se...” registra Mello Moraes Filho.
Na sexta-feira, Paixão e Morte - o Enterro – é o dia dos furtos, pois Jesus está morto e não pode ver. “O roubo nunca se efetivava para prejudicar alguém, mas apenas por brincadeira. Roubam galinhas e no sábado faz um banquete com elas, convidando o dono das galinhas também”.
Sábado, à noite, a Aleluia, a ressurreição. “Na missa de sábado fazia-se um silêncio absoluto na hora da elevação para que o padre visse as aleluias voando sobre o cálice, que como se sabe são uns bichinhos parecidos com mariposa, de barriga compridinha. Elas queriam avisar que Jesus tinha ressuscitado. As pessoas que diziam ter visto as aleluias eram consideradas privilegiadas”.
Domingo de Páscoa – ovo é vida, é o símbolo da volta de Jesus à vida. Antigamente (e ainda hoje em alguns lugares) os ovos eram de galinha cozidos e pintados de várias cores. “Entre 1913 e 1920, os padres alemães que estiveram em Perdões distribuíram ao povo, no domingo de Páscoa, ovos cozidas de galinha – uma tradição alemã introduzida nas cidades do Brasil. Dizem que os coelhos os trazem porque, no estrangeiro, o fim da semana Santa corresponde ao fim do inverno e começo da primavera, ocasião em que os coelhos saem das tocas levando alegria e nova vida a todos os lares”.
Existem ainda as proibições alimentares como não se comer carne, leite, ovos e manteiga. “Não se como nenhum produto animal e peixe somente os pequenos que não vertem sangue. Não se deve comer carne de animais com sangue quente em todas as sextas-feiras da quaresma”.
Costumes, tradições, cultura! Preservá-las e transmiti-las faz com que conheçamos cada vez mais nosso Brasil, suas histórias, seu povo e a construção dessa pluralidade tão rica.