quinta-feira, 17 de abril de 2014

QUARESMA – época de santos cobertos



Igreja de S. Frco. Xavier. Acervo pessoal.

Lembro-me de quando era menina e as igrejas cobriam todos os santos na época da Quaresma. Panos roxos eram colocados sobre as imagens. Era o tempo de meditação, respeito, orações, reflexões e encomendação de almas.
Acredita-se que as almas daqueles que não morreram de morte natural atormentam os vivos e, portanto, precisam de orações, de recomenda.
Em algumas cidades existe a procissão das almas onde “vultos amortalhados” percorrem as ruas desertas com matracas e o berra-boi – instrumentos exorcistas – e com orações pedem aos mortos que os deixem em paz. Costume herdado de Portugal também encontrado na Espanha onde permanece até hoje.
“Ninguém podia abrir as janelas e as portas para ver a tétrica passeata, pois que além de cometer gravíssimo pecado, morria de medo, pois as almas faziam parte da comitiva”.
E nas igrejas, nem velas, nem flores... Nada!
As igrejas ficavam muito tristes, o ambiente era triste. As pessoas que entravam nelas não erguiam a cabeça nem falavam com ninguém. Só rezavam numa total devoção.
Presenciei o costume dos santos cobertos na igreja de São Francisco Xavier no estado de São Paulo neste abril de 2014. Fiquei entre feliz e surpresa!
Feliz, pois costumes (preservados) para mim sempre foi muito importante. É o que chamamos de cultura popular – os costumes, fazeres, hábitos e tradições de um povo.
Nessa época da Quaresma, além dos costumes da religiosidade, também estão aqueles da alimentação: não comer carne durante os 40 dias (quaresma!), ou pelo menos às sextas-feiras; não beber bebida alcoólica; jejuar; e fazer algumas penitências alimentares.
Peixes são aceitos, principalmente aqueles de pequeno porte – “não tem muito sangue” me disse alguém tentando se justificar. “Não se deve comer nada que lembre o sangue de Cristo, como a carne de vaca, muito sanguínea”.
       E assim se passam os 40 dias – sem muita música (ou nenhuma), sem danças ou bailes; com restrições na alimentação...
            Na última semana da Quaresma – a Semana Santa - as manifestações da religiosidade aumentam e as tradições proliferam.
Começando com o Domingo de Ramos quando as pessoas vão às igrejas para benzer os ramos, as folhagens que as protegerão de tempestades e de doenças na família. A cada problema, um pouco do ramo é queimado e a solução se dará. Representa a entrada de Jesus em Jerusalém quando foram colocados mantos (ramos) na sua passagem.
Na segunda e terça-feira se faz a Via Sacra – visita-se sete igrejas (onde existem) ou reza-se em sete altares dentro de uma igreja.
Na quarta-feira assiste-se o ofício das Trevas – quando os apóstolos deixaram Jesus sozinho. Na quinta-feira, o Lava-pés. Dia da doença para alguns, da malvadeza para outros.
Na sexta-feira é o dia do enterro – da procissão do Senhor Morto. Quanta tristeza... Verônica entoando seu canto triste e abrindo devagar o pano com a face de Cristo... Em Avaré, SP, apenas as velas iluminavam a cidade e quando passava o caixão do morto todos se ajoelhavam... choradeira geral.
No sábado (à noitinha) a aleluia! “Aquelas borboletinhas pequenas entraram na igreja onde as pessoas rezavam para contar que Jesus ressuscitou!”. Acredita-se que aquele que vê as aleluias na igreja na sexta-feira da Paixão é abençoado. É também o dia de malhar o Judas, de explodi-lo, de enforcá-lo. Em cada cidade ou região há um Judas confeccionado de maneira diferente. Uma das primeiras descrições desse fato no Brasil se deve a Jean Baptiste Debret que viveu nos solos brasileiros entre 1816 e 1831.
Domingo – Páscoa – festa do povo em louvor a Deus! Onde a vida ou o retorno a ela é simbolizada pelo ovo. Ovo de galinha pintado ou ovo de chocolate – fonte de energia e vigor.
Para a explicação do coelho como outro símbolo pascal, ouvi de uma entrevistada que: “na Alemanha, uma mãe escondeu os ovos para que seus filhos procurassem e quando eles encontraram a cestinha com os ovos estava ao lado dela um coelho e as crianças gritaram: mamãe, o coelhinho nos trouxe os ovos!” Sabe-se que o coelho é um dos primeiros animais a sair da toca quando o inverno está acabando, o que na Europa acontece nessa época.
Religião, religiosidade e cultura popular, tudo entrelaçado na vivência do dia-a-dia. Nossa cultura, plural, faz do brasileiro um povo rico, um povo com histórias e tradições que devem ser preservadas, mesmo que modificadas ao longo do tempo.

Somos um país de pessoas cultas – eruditas ou não – que merecem respeito.