Igreja de S. Frco. Xavier. Acervo
pessoal.
Lembro-me de quando era menina e as igrejas cobriam todos
os santos na época da Quaresma. Panos roxos eram colocados sobre as imagens.
Era o tempo de meditação, respeito, orações, reflexões e encomendação de almas.
Acredita-se que as almas daqueles que não morreram de
morte natural atormentam os vivos e, portanto, precisam de orações, de
recomenda.
Em algumas cidades existe a procissão das almas onde “vultos amortalhados” percorrem as ruas
desertas com matracas e o berra-boi – instrumentos exorcistas – e
com orações pedem aos mortos que os deixem em paz. Costume herdado de Portugal
também encontrado na Espanha onde permanece até hoje.
“Ninguém podia abrir as janelas e as portas para ver a
tétrica passeata, pois que além de cometer gravíssimo pecado, morria de medo, pois
as almas faziam parte da comitiva”.
E
nas igrejas, nem velas, nem flores... Nada!
As igrejas ficavam muito tristes, o ambiente era triste.
As pessoas que entravam nelas não erguiam a cabeça nem falavam com ninguém. Só
rezavam numa total devoção.
Presenciei o costume dos santos cobertos na igreja de São
Francisco Xavier no estado de São Paulo neste abril de 2014. Fiquei entre feliz
e surpresa!
Feliz, pois costumes (preservados) para mim sempre foi
muito importante. É o que chamamos de cultura
popular – os costumes, fazeres, hábitos e tradições de um povo.
Nessa época da Quaresma, além dos costumes da
religiosidade, também estão aqueles da alimentação: não comer carne durante os
40 dias (quaresma!), ou pelo menos às sextas-feiras; não beber bebida
alcoólica; jejuar; e fazer algumas penitências alimentares.
Peixes são aceitos, principalmente aqueles de pequeno
porte – “não tem muito sangue” me disse alguém tentando se justificar. “Não se
deve comer nada que lembre o sangue de Cristo, como a carne de vaca, muito
sanguínea”.
E assim se passam os 40 dias
– sem muita música (ou nenhuma), sem danças ou bailes; com restrições na
alimentação...
Na última semana da Quaresma – a Semana Santa - as manifestações da
religiosidade aumentam e as tradições proliferam.
Começando com o Domingo
de Ramos quando as pessoas vão às igrejas para benzer os ramos, as
folhagens que as protegerão de tempestades e de doenças na família. A cada problema,
um pouco do ramo é queimado e a solução se dará. Representa a entrada de Jesus
em Jerusalém quando foram colocados mantos (ramos) na sua passagem.
Na segunda e terça-feira se faz a Via Sacra – visita-se sete igrejas (onde existem) ou reza-se em sete
altares dentro de uma igreja.
Na quarta-feira assiste-se o ofício das Trevas – quando os apóstolos deixaram
Jesus sozinho. Na quinta-feira, o Lava-pés. Dia da doença para alguns, da
malvadeza para outros.
Na sexta-feira é o dia do enterro – da procissão do Senhor
Morto. Quanta tristeza... Verônica entoando seu canto triste e abrindo
devagar o pano com a face de Cristo... Em Avaré, SP, apenas as velas iluminavam
a cidade e quando passava o caixão do morto todos se ajoelhavam... choradeira
geral.
No sábado (à noitinha) a aleluia! “Aquelas borboletinhas pequenas entraram na igreja onde as
pessoas rezavam para contar que Jesus
ressuscitou!”. Acredita-se que
aquele que vê as aleluias na igreja na sexta-feira da Paixão é abençoado. É
também o dia de malhar o Judas, de explodi-lo, de enforcá-lo. Em cada cidade ou
região há um Judas confeccionado de maneira diferente. Uma das primeiras
descrições desse fato no Brasil se deve a Jean Baptiste Debret que viveu nos
solos brasileiros entre 1816 e 1831.
Domingo – Páscoa
– festa do povo em louvor a Deus! Onde a vida ou o retorno a ela é simbolizada
pelo ovo. Ovo de galinha pintado ou
ovo de chocolate – fonte de energia e vigor.
Para a explicação do coelho
como outro símbolo pascal, ouvi de uma entrevistada que: “na Alemanha, uma mãe
escondeu os ovos para que seus filhos procurassem e quando eles encontraram a
cestinha com os ovos estava ao lado dela um coelho e as crianças gritaram:
mamãe, o coelhinho nos trouxe os ovos!” Sabe-se que o coelho é um dos primeiros
animais a sair da toca quando o inverno está acabando, o que na Europa acontece
nessa época.
Religião, religiosidade e cultura popular, tudo
entrelaçado na vivência do dia-a-dia. Nossa cultura, plural, faz do brasileiro
um povo rico, um povo com histórias e tradições que devem ser preservadas,
mesmo que modificadas ao longo do tempo.
Somos
um país de pessoas cultas – eruditas ou não – que merecem respeito.
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